sexta-feira, 6 de abril de 2012

Lendo Simone de Beauvoir/ Uma morte muito suave

Comecei lendo e achando que ela explorava demais a morte da mãe. Seja tomando notas à cabeceira, seja narrando dia após dia no hospital... Até que tudo caiu como um piano ou bigorna dos desenhos animados...

As escaras.
Eu nem sabia que essa palavra existia.
Já não absorvia nada por causa do câncer, suava uréia nas feridas abertas e sentia uma dor que nem a morfina curava. Quando o livro avançava nessa narrativa das dores eu lembrava... que já devia saber o que passarás pelo exemplo da Bete. Mas eu só conheço em imagem o processo da Bete... Eu fui privada do exemplo dela como serei do teu.

Me lembro de imaginá-la com a barriga cheia d’água pois seu fígado não funcionava mais. De imaginar as punções sem contudo saber que isso significava o início do fim... de ter me deparado
com violenta angústia e descobrir que ela estava no hospital tão magra que os pinos de sua coluna apareciam debaixo da pele. Não tive tempo para nada, tão lenta e estúpida a minha percepção fora de que não temos tempo de nada. Quando finalmente senti paz, no mesmo dia, a tanta distância, soube depois que era porque se tinha ido pra sempre e não sentia mais dor.


Paro e penso que pelo visto esta estória de estudar tanatologia foi uma péssima idéia. Eu não estou preparada nem para ler um livro.

Imagino que só seria possível lidar com a Morte experimentando-a em toda a sua inteireza.

Olho pra ti, com olhos de sentir quem está distante, e imagino que nunca vou poder estar do Teu lado nesse momento. Isso me rasga por dentro, isso me desfigura e não posso nem falar no nome Dela contigo.

Penso: será que vou sequer poder vê-lo no hospital sem ser hostilizada? Sem destruir lares e memórias? Será que poderei ver e chorar teu corpo?

Pois eu queria acordar durante toda a madrugada quando tremesses, para parar os teus espasmos com os meus carinhos.

Pois eu queria passar cada dia no hospital tornando tua sobrevida, uma vida, ou melhor; eu queria te arrancar desse hospital o tanto que desejas arrancá-lo de tua vida.

Queria que morresses em paz... e em meus braços. Queria que não morresses sozinho... Que não te sentisses sozinho nunca... E é tudo em vão...

Simone de Beauvoir discute que a Morte nunca é natural e que diante Dela, assim como sua mãe, sente revolta.

A Morte é natural. Mas a Morte de quem eu amo, JAMAIS será natural pra mim. Natural e banal seria a minha. Antinatural é sobreviver quando os que amamos morrem, levando consigo uma parte de nós e de nossos sonhos.

Um brinde aos que ficam, cada vez mais sem si mesmos.

A tanatologia foi uma péssima idéia e não consigo entender o porquê, pois no fundo todo mundo me treinou para a Morte.

Pois Ela é a decepção.
Ela é a negação de nossa vontade.
Ela é a privação do nosso destino e amor; a maldição que condena o nosso amor à fantasia.


Meus amores têm sido fantasias.
Meus amores têm sido fantasmas.
Meus sonhos têm sido irrealizáveis e ininteligíveis.
Nesse momento, tudo é impossível.

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